Os Druidas
Em
todos os povos Celtas, o druida desempenha um papel primordial na sociedade:
aconselha o Rei, ensina as ciências, dominando a medicina e a
astronomia. É também o sacerdote, o Juiz e a memória do povo. É representado
de túnica branca, de foice de ouro na mão, cortando o visco, mas não deixou
nenhum texto escrito para testemunhar a sua sabedoria e os seus conhecimentos.
Uma comunidade de sábios deixa poucos vestígios materiais da sua existência.
E para reconstruir a história dos Druidas e encontrar a sua mensagem, apenas
dispomos, infelizmente, dos testemunhos de autores ao serviço do império romano
e de lendas compiladas pelos monges Irlandeses, Bretões e Gauleses da Idade
Média; documentos tantas vezes suspeitos, mas inúmeros e vindos de horizontes
diferentes, permitem verificações, e por vezes algumas das suas informações
são confirmadas pelas descobertas arqueológicas. Deste modo, os historiadores,
os linguistas, os arqueólogos, reconstituem a pouco e pouco a sua herança
perdida.
Os Druidas tiveram um prestígio imenso. Júlio César relata que eram grandemente
honrados, a ponto de serem dispensados do serviço militar e isentos de qualquer
dos encargos, inclusive ao pagamento de impostos. Tratavam, é certo, dos problemas
da religião, presidiam aos sacrifícios públicos, mas, magistrados respeitados,
aplicava igualmente a justiça, resolviam os diferendos entre particulares
ou entre povos. Não havia apelo das suas sentenças e os imprudentes que não
as respeitassem, seriam objecto de interdição, banidos da sociedade e totalmente
excluídos da vida social.
No país
dos Carnutos
Um historiador do século IV, Ammein Marcellin, afirma que os Druidas estavam
ligados em Confraria segundo o preceito de Pitágoras. Júlio César, por seu
lado, refere que obedeciam a um Chefe único, gozando de enorme autonomia.
Por sua morte, os sucessores eram escolhidos em virtude do seu mérito ou então
eleitos pelos seus pares. Todos os anos, em data fixa, uma grande assembleia
reunia os Druidas da Gália no local consagrado, o país dos Carnutos. Diferentes
descobertas arqueológicas levavam a supor que esse local se situada perto
de Saint-Benoît-sur-Loire. Não obstante as lutas e as rivalidades que muitas
vezes opunham a imensidão de tribos gaulesas, esta assembleia de sábios, colocada
acima dos partidos, sabia manter uma certa forma de coesão social e criar
um sentimento de união Celta. É por isso que os imperadores romanos, a pretexto
de sacrifícios humanos, perseguiram os Druidas até conseguirem o seu desaparecimento
total.
Os Brâmanes do Ocidente
Os autores da antiguidade associaram muitas vezes, em virtude da sua sabedoria
e da sua ciência, os Druidas dos Gauleses aos Brâmanes da Índia. A partir
de finais do século XVIII, os linguistas demonstraram o parentesco indo-europeu,
unindo, para além de distâncias e fronteiras, a civilização Celta à da Índia
védica. Os Druidas foram oficialmente reconhecidos como os Brâmanes do Ocidente.
Todavia, a classe, a Confraria dos Druidas não se tornou uma casta; a função
foi sempre detida por mérito, na sequência de longos estudos e não por herança.
Os celtas, fundamentalmente religiosos, vinham instruir-se em grande número
junto dos seus Druidas. Estes, filósofos e idealistas, não admitiam a representação
antropomórfica dos Deuses, nem a edificação de templos, verdadeiras blasfémias,
ultrajes à divindade, e é por isso que não apareceu nenhuma estatuária Celta
antes da conquista romana. Um tabu, comparável ao do texto escrito, proibiu
que surgisse, através de uma imagem forçosamente desadequada, um aspecto qualquer
de noções puramente abstractas.
Quanto aos simulacra evocados por Júlio César a propósito do Mercúrio
Gaulês, mostram simplesmente que a religião popular dos profanos não se identificava
completamente com o Druidismo. À semelhança dos antigos Brâmanes, os Druidas
recusaram-se a confiar à escrita os seus conhecimentos e as suas tradições:
"Parece-me ter instituído este o uso por dois motivos, explicar Júlio
César, porque não querem que a sua doutrina seja divulgada nem que, por outro
lado, os seus alunos, fiando-se no texto escrito, negligenciarem a sua memória."
Tradição escrita equivale a tradição morta e definitivamente fixada. Quando
se pensa nas querelas das interpretações de textos sagrados, que
ensanguentaram
as religiões do Livro, não se pode deixar de admirar a sabedoria prudente
dos Druidas; mesmo que, em virtude do seu silêncio, a sua doutrina tivesse
desaparecido para sempre com eles. No entanto, apesar do segredo dos seus
ensinamentos, a doutrina dos Druidas foi conhecida de todos: dizia respeito
à imortalidade da alma e à existência de uma outra vida após a morte, ou mais
concretamente, à continuidade da vida humana após a morte, mudando a alma
de aparência ao passar para Outro Mundo: "há um aspecto da sua doutrina
que se difundiu entre o povo, supostamente para os tornar mais corajosos no
combate; as almas são imortais e entre os mortos leva-se uma outra vida",
refere Pomponius, que acrescenta este pormenor surpreendente: "Outrora,
levava se para o inferno até os registos comerciais e as cobranças dos créditos."
Mais ao menos na mesma época, o poeta Lucano, um jovem romântico materialista
e ateu, constata, não obstante o seu cepticismo: "A morte, se aquilo
que contam é verdadeiro, é o meio de uma longa vida. Ditosa ilusão a das pessoas
que olham a Ursa: pois não os toma o mais forte dos receios, o terror da morte."
A sabedoria dos Druidas soube tornar os Celtas despreocupados, livres e alegres.
O seu destino pessoal numa batalha deixava-os indiferentes. Nada se perfilava
no horizonte da sua passagem pela Terra. Uma outra vida feliz, sem inferno
nem purgatório, os esperava no Outro Mundo. Sabe-se pelos relatos dos Celtas
insulares que este Outro Mundo, espécie de universo paralelo, "o Sid",
podia simbolicamente situar-se numa ilha do oceano, no extremo ocidental;
ali, onde desaparece o Sol ao anoitecer, estava a Ilha; ou ainda ser imaginada
no norte do mundo como a ilha de Avalon. Todos os anos, por alturas do 1º
de Novembro, para a festa de Samhain, que marcava o início do ano celta, o
tempo e o espaço deixavam de existir e os dois Mundos comunicavam. As elevações
neolíticas, as áreas cobertas, os túmulos, os dólmenes,com corredores, serviam
de ponto de contacto privilegiados com o mundo dos desaparecidos: prova de
que os Celtas e os seus Druidas não tinham um menor dúvida sobre a antiguidade
e a função funerária destes monumentos.
A morte das florestas acarreta a dos Druidas
"Muito sábios", mas também "Homens do Bosque", "
Homens da Árvore", "Homens do Carvalho", sem dúvida os Druidas
o foram. Todos os testemunhos concordam neste aspecto: poetas, geógrafos,
historiadores associaram os Druidas às florestas. Por este motivo a conquista
da Gália se duplicou numa guerra contra as árvores; e César "foi o primeiro
a ousar pegar num machado, brandi-lo e rachar com ferro um Carvalho perdido
nas nuvens", refere Lucano.
A desarborização intensiva da Gália pelos romanos contribuiu tão eficazmente
para o desaparecimento dos Druidas quanto os Éditos dos imperadores Tibério
e Cláudio. Quando S. Patrício, em meados do século V, veio especialmente a
Glastonbury com o intuito de cristianizar definitivamente o lugar Celta sagrado,
começou por mandar abater com machado e alvião todas as árvores que cobriam
a célebre colina do Tor. Lutar contra as árvores era ainda nesta época uma
forma de combater o Druidismo.
Nas clareiras, no coração das profundas florestas, protegidas pela penumbra
das criptas vegetais, os Druidas transmitiram pacientemente aos seus discípulos
a sua sabedoria imemorial: " estes afirmam conhecer a grandeza e a forma
da Terra e do mundo, os movimentos do Céu e dos astros, bem como a vontade
dos Deuses. Ensinavam à elite do seu povo uma quantidades de coisas em segredo
e durante muito tempo (20 anos), seja numa gruta, seja nos pequenos vales
(arborizados) afastados."
Na sua célebre descrição da apanha do visco pelos Druidas, Plínio, o Velho
afirma que a cerimónia deve desenrolar-se ao sexto dia da Lua, "que assinala
entre eles o começo dos meses, dos anos e dos séculos que duraram 30 anos."
Os Brâmanes chamavam ao sexto dia da Lua Mahatithi, o Grande Dia. Os Druidas,
seus homólogos, consideravam este mesmo dia como particularmente sagrado e
dotado de uma força considerável. A revolução sideral da Lua é de 27 dias,
7h e 43 minutos. É o tempo que o astro leva a voltar a uma mesma posição no
céu em relação às estrelas. Um século de 30 anos dos Druidas contém 401 meses
de revolução sideral. É por isso que, por exemplo, nos romances da Távola
Redonda, inspirados na tradição Celta, os cavaleiros guardiões do Graal são
400, número a que se vem juntar a figura do Rei.
A Lua e o planeta Saturno têm um parentesco curioso: no dia, a Lua decorre
sobre a elíptica a mesma distância que Saturno no ano. Sem nos perdermos em
pormenores, digamos que 30 dias da Lua equivalem a 30 anos de Saturno. De
acordo com um texto de Plutarco, de facie in orbe lunae, foi possível
deduzir que o século de 30 anos dos Druidas começava quando o planeta Saturno,
Nyctouros, entrava no ciclo do touro, ou seja, quando todos os 30 anos, nesta
época, Saturno e a Lua no seu sexto dia se viam em conjunção com a pequena
constelação das Plêiades, a noite da festa de Samhain.
Mas se os séculos de 30 anos eram calculados em função do ciclo de Saturno
e da revolução sideral da Lua, o calendário de todos os dias, como o encontrado
em Coligny, em contrapartida, baseava-se na revolução sinódica, quer dizer,
no intervalos de tempo que separa duas fases idênticas do astro, ou seja,
29 dias 12h00 e 44 minutos.
Guias espirituais e físicos
A diferença entre revolução sideral e a revolução sinódica deve-se ao movimento
da Terra. Existem 50 meses de revolução sinódica da Lua em quatro anos, e
150 em 12 anos. O número 50 e 150 (ou três vezes 50) surgem constantemente
nas narrativas mitológicas Celtas, em particular na Tradição Irlandesa. Com
os romances da Távola Redonda, é a corte do Rei Artur que recorda este sistema;
com efeito, segundo os poetas, os cavaleiros reúnem-se aí quer em número 12
quer de 50 ou ainda de 150. Assim, a corte do mundo sensível do Rei Artur
opõe-se ao reino espiritual do Graal.
Plutarco, no texto já citado, conta que os habitantes das ilhas dispersas
em redor da Grã-Bretanha, afirmam que Saturno é mantido prisioneiro pelo seu
filho Júpiter na ilha nórdica de Ogígia. O planeta Júpiter percorre a elíptica
em 12 anos, ou seja, 150 meses de revolução sinódica da Lua. A lenda Celta
referida por Plutarco desvenda talvez apenas uma oposição entre dois modos
de contar tempo.
Os Druidas não ensinaram uma religião, mas uma metafísica da Natureza. A sua
Confraria reuniu a aristocracia do saber e da filosofia. Guias espirituais,
eram também cientistas, físicos, astrónomos. Para combater a sua influência
sobre a juventude, os romanos criaram escolas públicas na Gália. Infelizmente
o ensino proporcionado pelos professores latinos foi desastroso porque era
exclusivamente literário: gramática, versificação, retórica, arte de escrever,
de discursar com ênfase para não dizer nada, mas segundo regras estritas estereotipadas,
em suma, um ensino fútil destinado a conferir um verniz cultural e abafar
qualquer génio. Contrariamente à escola dos Druidas, a dos colonizadores desprezou
a filosofia, ignorou as ciências naturais, a geografia, as matemáticas, rejeitou
a medicina. Mas para obter honras no novo regime, os jovens gauleses renunciaram
ao estudo árido do saber ancestral. Preferiram não sacrificar mais vinte anos
da sua vida para adquirir a sabedoria. Como agradecimento, os imperadores
romanos ofereceram aos colonizados os seus circos e as suas arenas, teatros
de jogos sangrentos, combates de gladiadores até à morte, execuções de condenados,
enquanto censuravam aos Druidas a prática de sacrifícios humanos...
Texto de Raimonde Reznikov ®
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